Deus na pós-modernidade? (parte 1 de 3)

por Jon Paulien
traduzido por Matheus Cardoso

“O mundo está mudando: sinto isso na água, sinto isso na terra, farejo isso no ar” (Barbárvore, O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei).

“Quando sabemos que as transformações culturais estão ocorrendo, a nossa reação inicial pode ser uma tentativa de destacar os novos problemas e então ajustar os nossos ministérios para solucioná-los. Se não estamos vendo os jovens vindo para as igrejas hoje, talvez devamos apenas acrescentar algumas canções com outros ritmos na programação do louvor. Ou talvez se diminuirmos as luzes e acrescentarmos algumas velas, estaremos nos relacionando com esse tal de ‘pós-modernismo’, e as gerações emergentes irão retornar para as nossas igrejas. Entretanto, é inútil tentar consertar um elemento superficial sem saber qual é a causa. Temos que ser iguais aos homens de Issacar, que compreenderam o seu tempo e foram capazes de discernir o que deveriam fazer (1 Crônicas 12:32)” (Dan Kimball).

Neste artigo, vamos fazer um breve panorama da história ocidental e discutir as principais características do pós-modernismo. Descobriremos como podemos responder aos desafios pós-modernos e aproveitar suas oportunidades sem precedentes, tendo em vista que Deus está no controle da história.

Breve história do mundo ocidental

Pré-modernismo

Na Idade Média (período pré-moderno), acreditava-se que a verdade era privilégio de alguns grupos especiais. Uma pessoa comum não tinha a menor condição de alcançar a verdade sobre qualquer área. A verdade poderia ser encontrada somente no clero ou na igreja. Se você desejasse conhecer a verdade, iria conversar com um sacerdote. Sempre que os sacerdotes discordassem entre si ou não tivessem uma posição, a verdade seria decidida pelo papa ou por um dos grandes concílios da igreja.

Modernismo cristão

Durante a Reforma Protestante, a confiança das pessoas em grupos privilegiados começou a se fragmentar. Passou-se a acreditar que a verdade não residia mais na igreja, mas em declarações lógicas baseadas em meticulosa pesquisa bíblica. Sacerdotes, papas e nobres não tinham mais acesso à verdade do que qualquer outra pessoa. Qualquer um, com esforço e habilidade, poderia compreender a verdade através do estudo racional das Escrituras.

A visão de mundo sustentada pelo modernismo cristão predominava nos Estados Unidos durante o século 19. Foi nesse contexto social que o adventismo iniciou e fez sentido para a cultura norte-americana. Foi nesse contexto que os primeiros missionários adventistas tiveram bastante êxito em lugares como a Europa e a América do Sul. E hoje, em todos os lugares nos quais o modernismo cristão ainda predomina, o adventismo ainda alcança a sociedade predominante. Mas as áreas que vivem essa realidade estão diminuindo rapidamente.

Modernismo secular

Com o Iluminismo, o mundo experimentou uma mudança do modernismo cristão para o modernismo secular. Embora os meios intelectuais da Europa já estivessem passando por essa transição no século 18, o modernismo secular se tornou a visão de mundo predominante nos Estados Unidos apenas no início do século 20. A controvérsia entre evangélicos fundamentalistas e liberais, ocorrida na década de 1920, pode ser considerada o rito de passagem no qual o cristianismo conservador perdeu o contato com a sociedade predominante.

Começando com René Descartes (1596-1650), o pai da filosofia moderna, os modernistas seculares vieram a crer que a chave para a verdade não era o meticuloso estudo da Bíblia, mas a dúvida metodológica. O objetivo era eliminar todos os tipos de superstição ao se expor as falhas de todo pensamento anterior. Isso seria realizado aplicando-se métodos meticulosos e científicos a todas as questões, inclusive religiosas. Assim, a verdade seria encontrada no processo científico de cuidadosa observação e experimentação. A razão humana seria capaz de resolver qualquer coisa.

O alvo do modernismo secular era alcançar um mínimo de verdade inabalável sobre a qual se pudesse ter certeza absoluta. Através da aplicação contínua do método científico, esses “resultados seguros” aumentariam continuamente até que a vida pudesse ser vivida com uma quantidade razoável de certeza sobre o mundo. A ciência forneceria a “verdade”, e a tecnologia forneceria o poder para transformar o mundo. A educação disseminaria esse novo “evangelho”, e o resultado seria eventualmente um paraíso de progresso e segurança.

Mas a realidade foi na contramão desse sonho. Há cem anos, o conceito da relatividade (Einstein) e o princípio da incerteza na mecânica quântica (Heisenberg) começaram a retratar um quadro diferente do universo. O século 20 também aniquilou o sonho de um paraíso tecnológico. O progresso científico parecia andar lado a lado com o aumento da poluição e da criminalidade. A Primeira Guerra Mundial, a Segunda Guerra Mundial, o Holocausto e outros genocídios, armas de destruição em massa e o terrorismo destruíram o otimismo dos modernistas seculares. A nova geração proclama que o deus do modernismo secular está morto. Hoje, a humanidade volta-se da verdade científica para a verdade encontrada em outros lugares.

Pós-modernismo

Nos Estados Unidos, começando com a Geração X (nascidos entre 1964 e 1980), uma visão de mundo cada vez mais difundida suspeita da abordagem científica para alcançar a verdade. Além disso, o pós-modernismo rejeita as metanarrativas, as grandes histórias que tentam explicar tudo (como o “grande conflito” bíblico), por acreditar que tentam explicar demais e, assim, promovem um exclusivismo que leva à violência. Afinal, é a crença em uma metanarrativa que abastece o terrorismo da Al Qaeda ou o papado medieval.

Na pós-modernidade, a verdade não é encontrada primariamente na ciência, na Bíblia ou na igreja; é encontrada nos relacionamentos, na experiência e na narração de histórias. A verdade se tornou bastante ilusória. Em vez de “a verdade”, os pós-modernos preferem pensar em “muitas verdades”, uma “variedade de verdades” ou a “verdade para mim”. Acredita-se que ninguém consegue ter uma compreensão clara e perfeita da verdade, mas que cada pessoa percebe parte da verdade. Assim, o resultado são pequenos pedaços de conhecimento especializado flutuando num grande mar de ignorância.

A construção da comunidade é, portanto, um componente essencial na busca pós-moderna da verdade. À medida que cada um compartilha a parte da verdade que experimenta e conhece, todos se beneficiam disso. No ambiente pós-moderno, construir comunidade é mais importante do que as ideias que antes mantinham as comunidades juntas.

Confira, no quadro abaixo, as principais mudanças que ocorreram no pensamento e na cultura ocidental:

Mundo antigo (até 500 d.C.) Mundo medieval (500 – 1500) Mundo moderno (1500 – 1980) Mundo pós-moderno (desde 1980)
Centro Deuses locais. Deus (cristianismo). Razão humana. Não há centro.
Verdade e cosmovisão Cosmovisão regional. As divindades eram consideradas regionais e territoriais. Cosmovisão judaico-cristã, centralizada em Deus. Confiança centralizada no homem e na razão a fim de descobrir a verdade. Visão autodeterminada e pluralista da cultura e da religião. Aceitam-se verdades e crenças conflitantes.
Fonte da verdade O poder e a fé estavam em reis, impérios e divindades locais. O poder e a fé estavam na igreja. O poder e a fé estavam na razão humana, na ciência e na lógica, que também era o fundamento para explicar e interpretar Deus. O poder e a fé estão na experiência pessoal.
Comunicação Comunicação oral e registros históricos locais limitados. Manuscritos e comunicação oral. A imprensa transforma a comunicação. Internet e mídia aceleram uma revolução na comunicação global.
Autoridade Revelação dada através de oráculos, poetas, reis e profetas. A Bíblia, conforme compreendida pela igreja. A Bíblia não estava nas mãos do povo. Razão, ciência e lógica. Para os cristãos, a autoridade estava na interpretação racional da Bíblia. Desconfia-se de qualquer autoridade. A Bíblia está aberta a muitas interpretações e é apenas um entre muitos escritos religiosos.
Tema “Quem é o homem, para que com ele Te importes?” – Salmo 8:4 “Creio para compreender.” – Anselmo (1033-1099) “Conhecimento é poder.” – Francis Bacon

“Penso, logo existo.” – René Descartes (1596-1650)

“Se isso faz você feliz, então não pode ser ruim.”

“Todo ponto de vista é a vista de um ponto.”

(Quadro adaptado de Dan Kimball)

(continua)

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Jon Paulien, Ph.D. (Universidade Andrews), é diretor da Faculdade de Teologia da Universidade de Loma Linda (EUA). Ele é especialista no livro de Apocalipse e na relação entre fé e cultura contemporânea.

Fontes:
Este texto, parte da série Deus na pós-modernidade?, foi adaptado e traduzido por Matheus Cardoso a partir dos seguintes materiais de Jon Paulien:

1. PAULIEN, Jon. “God’s mighty acts in a changing world (part 1 of 2)”, Ministry, fevereiro de 2006, p. 10-11;

2. __________. Everlasting Gospel, Ever-changing World: Introducing Jesus to a Skeptical Generation
(Boise, ID: Pacific Press, 2008), p. 41-56;

3. __________. Reaching and Winning Secular People: A Strategy Manual (General Conference Department of Personal Ministries, s.d.), p. 9-14.

A citação e o quadro de Dan Kimball foram acrescentados pelo tradutor.

Continuação:
O texto acima é a primeira parte de uma série. Você pode encontrar a segunda parte aqui.


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